quarta-feira, 4 de julho de 2012
Após conseguir a 1ª identidade militar, casal gay quer processar a Marinha
Depois de nove meses, o militar reformado João Silva, de 39 anos conseguiu, finalmente, a inclusão de Cláudio Nascimento, de 41 anos, como seu cônjuge nos documentos militares. Segundo o militar, por causa dos problemas que tiveram com essa espera, o casal declarou que pretende processar a Marinha do Brasil. “Vamos entrar com uma ação contra a Marinha pedindo indenização por danos morais, porque foram nove meses de muito constrangimento”, afirmou Cláudio. De acordo o casal, com heterossexuais, esse procedimento duraria, no máximo, 90 dias.
“Toda vez que eu ia até uma seção na Marinha do Brasil, eu sentava, pelo menos, 1h a 1h30, passando por todas as pessoas. Todo mundo querendo saber quem era o gay sonhador que estava querendo colocar o marido como dependente”, declarou João.
Em nota, a assessoria da Marinha informou que "devido à apreciação jurídica que o assunto requeria, foi necessária a análise detalhada do caso, a fim de assegurar a legalidade da alteração do estado civil nos assentamentos do militar. A regularização foi realizada e, após o comparecimento dos interessados ao Serviço de Identificação da Marinha (SIM), a nova identidade foi expedida".
Processo para conseguir a nova documentação
Em setembro de 2010, o casal fez uma cerimônia para formalização da união estável. Após a decisão, no dia 5 de maio de 2011, do Supremo Tribunal Federal pela regulamentação da união estável homoafetiva em todo o país, Cláudio e João decidiram entrar com o pedido de conversão da união estável em casamento civil. “No dia 15 de agosto, saiu a sentença favorável ao reconhecimento da habilitação de união estável em casamento e nos tornamos o 1º casamento civil entre pessoas do mesmo sexo no Rio de Janeiro e o 3º no Brasil”, falou Cláudio.
Na primeira semana de setembro, João iniciou o procedimento na Marinha para a atualização do seu cadastro, uma obrigação militar. Segundo Cláudio, foram requeridas a alteração de solteiro para casado e que fosse incluído seu nome como cônjuge na nova documentação. “A Marinha não aceitou, disse que não reconhecia e teria que ser feito um requerimento específico. No dia 4 de outubro, a Marinha reconhece como união estável, mas ela já sabia que a gente tinha mudado nossa situação”.
De acordo com o casal, eles fizeram um novo requerimento, anexando todos os documentos, inclusive a decisão do juiz que convertia a união estável em casamento. Novamente, a Marinha indeferiu o pedido. “Ela declarou que só reconhecia o casamento entre pessoas dos sexos opostos”, disse Cláudio.
A partir desse momento, o casal começou a “gritar aos quatros cantos”, como eles definiram, para conseguir o seu direito. “Tentamos o Ministério da Defesa, a Secretaria de Direitos Humanos, a Presidente da República”, explicaram. A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) enviou um ofício para a presidente com o pedido, e, no dia 28 de junho, a Marinha decidiu reformar a sua decisão, reconhecendo o casamento civil de João e Cláudio.
"A Marinha fez uma reforma da sua decisão, não foi uma concessão pura e simplesmente pacificada. Isso só se deu após a gente gritar aos quatro cantos, denunciando essa atitude diferenciada, que velava os direitos humanos e velava a decisão do STF. A Marinha se colocava acima da Constituição Brasileira”, declarou Cláudio.
Cláudio explicou que pretende ajudar outros casais gays que forem pedir a alteração de documentos nas Forças Armadas e também no processo de união estável. "Queremos produzir matérias e cartilhas para encorajar mais gays e lésbicas das Forças Armadas a terem esse direito”. Eles disseram que têm orientado aos casais que primeiro formalizem a união estável, para, em seguida, pedir a conversão.
João contou que, durante o processo, alguns militares o questionaram se ele não tinha medo de ser preso. "O medo tem dois objetivos: ou ele te para ou te impulsiona. No meu caso, ele me impulsionou. Se eu parar, o meu companheiro não vai ter reconhecido os direitos que já são dele. Se eu for preso, vamos dar visibilidade a essa prisão." João explicou que, como os documentos militares não tinham sido atualizados, e seu estado civil já havia mudado, ele corria o risco de ser processado por falsidade ideológica.
Cláudio disse ainda que vai continuar brigando para que todos tenham acesso aos direitos que eles tiveram: "Temos duas batalhas: a criminalização da homofobia e o casamento civil igualitário. A gente vai usar a nossa capacidade de visibilidade e lutar a favor desse direitos. Já conquistamos muitos, mas temos que garantir o direito para os outros também"
Marinha não é preconceituosa
Apesar de toda a dificuldade para atualizar os documentos, João declarou que não pensa que a Marinha seja homofóbica. "Seria leviano dizer que a Marinha do Brasil é preconceituosa. Eu posso dizer que algumas pessoas que assumem cargos de direção (são preconceituosas). A Marinha é uma instituição dirigida por pessoas e a cabeça dessas pessoas que dita as normas. O único preconceito que sofri na Marinha foi no momento que eu quis incluir o meu dependente e isso feria alguns tipos de regulamentos". João contou ainda que um dos comandantes chegou a lhe dizer que ele não conseguiria a inclusão de Cláudio como seu conjugê. De acordo com João, um comandante disse a ele: "Você desiste, a Marinha não vai mudar a posição. A Marinha tem a posição que vocês não têm esse direito. Não reconhece o casamento de vocês."
Projeto de adoçãoTer filhos também está nos planos de Cláudio e João. O casal pretende adotar, assim que conseguirem se mudar para uma nova casa. “Adotar é um sonho que está em construção. A gente pretende para daqui a 3 anos. Depois de conseguir uma casa um pouco maior e mais espaçosa", contou João.
Cláudio acredita que o processo de adoção não será tão difícil: "Não existe no nosso país a proibição da adoção por casais gays, o que existia era, no processo de habilitação, o preconceito por parte da sociologia, psicologia e até pelo juiz, que na hora de habilitar, não aceitava."
FamíliaO militar reformado contou que o filho de 19 anos sempre aceitou o seu relacionamento com Cláudio. "Ele traz a namorada para conhecer a gente. Apresenta o Cláudio como 'papito'. Ele cresceu aprendendo a não discriminar". Segundo João, o filho sempre soube se defender bem de episódios preconceituosos. "Ele sempre tinha uma resposta pronta quando era provocado"
João comentou que sofreu muito por causa do preconceito de sua família. "Minha família sabe que eu sou gay desde criança. Eu sofri uma situação muito difícil por causa disso. Fui considerado uma vergonha para a família, que é de evangélicos e católicos. Mas eu não os culpo. Com a pressão da sociedade, isso fica mais difícil ainda. Eles aprenderam sempre que isso era o errado, então ficava difícil". O militar disse ainda que ficou emocionado quando sua mãe veio ao seu casamento. "Ela não veio de uma forma protocolar, ela veio inteira, completa. Minha tia também veio. Minha família aprendeu a respeitar o diferente e entendeu o que eu sentia pela Cláudio era amor", contou.
Já Cláudio contou que com 18 anos saiu de casa e nunca mais falou com a família. "Ao longo da minha vida, eu fui elegendo pessoas que fariam parte da minha família, pessoas que você escolhe afetivamente. É muito melhor você valorizar o que tem, do que o que não tem."
Fonte: G1.com
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